Memórias

Castelo de Penacova

Apesar de ser clara, para todos, a existência de um Castelo, em Penacova, bem como a sua localização no Monte da Senhora da Guia, não se conhecem fontes que precisem a data da sua fundação e até mesmo do seu abandono, sabemos com toda a certeza que existem referências ao Castelo de Penacova, no séc. X. Manuel Luís Real, na Revista da Faculdade de Letras, Ciências e Técnicas do Património, publicada em 2013, elabora um artigo que nos permite esclarecer algumas dúvidas e fazer até descobertas…

No artigo em que questiona o facto de o Castro de Baiões ter servido de Atalaia ou Castelo na Alta Idade Média, e qual a sua relação com o refúgio de Bermudo de Ordonhes na Terra dos Lafões, refere a propósito do sistema defensivo dos descendentes de Diogo Fernandes e Onega (senhores de Lafões-Viseu), a documentação por si estudada lhe permite demonstrar que havia uma preocupação por parte destes em alargar a sua área de influência com prioridade a duas regiões: Entre Côa e Távora, a norte de Trancoso; e o médio vale do Mondego, a montante da barreira natural existente na zona de Penacova.

A um dos genros de Diogo Fernandes, Alvito Lucides, que veio a casar com Múnia, terá sido confiada a responsabilidade pelo acidentado território da bacia de Mondego, a qual defendia este grupo de uma qualquer ameaça que pudesse surgir desde Coimbra. Este facto é constatado pelo autor com base no conjunto de bens que a família possuiu nos concelhos de Oliveira do Hospital, Tábua e Penacova.

   

Salienta Manuel Real que é preciso não esquecer que no início do séc. X, a cidade de Coimbra era ainda um baluarte da linhagem de confiança de Afonso III, a do mordomo Hermenegildo Guterres (família rival da dos senhores de Lafões, donatária do território de Lafões - Viseu).

Antes de chegar a Coimbra, o rio Mondego à época, tal como hoje, atravessava uma barreira natural poderosíssima, constituída:

1. pela serra do Bussaco: com uma atalaia (torre de observação/ponto de vigia) na Portela de Oliveira;

2. pela serra da Atalhada, cuja designação derivará provavelmente da designação atalaia que, naquele local, se localizaria sobre a chamada via Colimbriana, que ligava Cidade Rodrigo a Coimbra, passando por Castelo Bom, Linhares, Gouveia, Seia, Santa Ovaia, Coja, Arganil e Penacova e que corresponde à denominada “Estrada da Beira”;

3. além de outras elevações secundárias, as quais terão sido aproveitadas para estabelecer uma linha de defesa estratégica, da qual o castelo de Penacova seria o baluarte.

No entender de Manuel Real, o Castelo de Penacova terá à época (séc. X) sido igualmente denominado por “Torre de Miranda” (designação que não possui, segundo o autor, qualquer ligação a Miranda do Corvo), e a sua área de influência aparece mesmo referida, num documento local citado pelo autor, como “terra de miranda”. É por essa razão que, em 936, Ximeno Dias, filho varão de Diogo Fernandes e Onega assume aqui funções de juiz, numa disputa sobre os limites territoriais entre Vila Cova (hoje Penacova) e Alquinitia (hoje Vila Nova de Poiares). Este facto terá, muito provavelmente, ocorrido antes do seu casamento com Ausenda Guterres, uma dama de estirpe “coimbrã”, que se terá constituído, segundo Manuel Leal, como uma tentativa de unir as famílias rivais.

Este autor salienta igualmente, numa primeira fase, a maior ligação do clã “lafonense” ao Mosteiro de Lorvão, facto corroborado pelo refúgio temporário dos monges lorvanenses na referida Torre de Miranda (Castelo de Penacova), após um incêndio que danificou o edifício monástico, algo que ele infere de um documento de 998. Conclui que a implantação do Mosteiro de Lorvão, afundado nas enrugadas serranias de Penacova e ao abrigo do seu castelo, representa uma ligação de proximidade semelhante à que os monges de Guimarães tinham com o castelo vimaranense, no alpe latito, cuja origem está na mesma família.

Ao longo do tempo, o Castelo vai sendo referido ou descrito noutros documentos:

Em dezembro de 1192, Penacova veria ser-lhe concedido por D. Sancho I, o seu primeiro Foral, inserido numa política de valorização do território caraterística do reinado daquele monarca. Nesta Carta de Foral ordena que “Cavaleiros e peões façam cubas e casas no Castelo de Penacova, ao senhor da terra. E quando fizerem cubas ou casas o senhor da terra dará de comer a todos os que aí trabalharem e igualmente pagará o salário do mestre (de obras)”.

Frei Agostinho de Santa Maria, na obra Santuario Mariano e Historia das Imagens milagrosas de Nossa Senhora(…), datada de 1712, afirma que “o Castelo de Penacova está fundado num altíssimo Penhasco, que nascendo duma profunda cova (de onde se deu nome àquela vila) que ali em um largo remanso faz o dourado, e fresco Mondego, que correndo entre altíssimas serras se vê ele tão profundo, que verdadeiramente se deu àquele remanso com muita propriedade o apelido de Cova” (Livro II. Título LXXXIV. Pág. 615).

Na sua descrição continua fazendo referência à antiguidade do castelo, já em ruínas: “neste castelo tão arruinado por antigo, como inexpugnável pelo sítio, quando tinha ser, se conserva ainda hoje uma Ermida dedicada à soberana Rainha da gloria, aonde se vê uma muito antiga Imagem sua, a quem invocam com o título de Guia, que não é a primeira, e esta também pequena e de pobre fábrica, não tem mais que um Altar. É tradição, que estivera a Matriz, ou a principal Paróquia daquela Vila; mas como o sítio era demasiadamente estreito, e angustiado para se fazer outra capaz do muito povo, que havia crescido, se resolveram depois os moradores a muda-la para sítio mais largo, e capaz de se poder nele edificar Igreja com mais extensão, como hoje se vê. E não terão tão poucos os anos em que se fez a mudança que não passe muito além de duzentos anos, como se vê das antigas capelas que nela se edificaram; porque já hoje se vê reedificada de novo, como fica dito”. (Livro II. Título LXXXIV. pp. 615 - 616).

Por fim, destaca-se Thomas Saint-Clair, oficial do exército britânico que participou na Batalha do Buçaco, tendo comandado as companhias de granadeiros da brigada portuguesa do coronel Champalimaud, que desenhou as gravuras editadas em 1815 por Charles Turner, representando momentos representativos da guerra peninsular, com a consistência de alguém que participou ativamente no conflito. Destaca-se no conjunto de gravuras editadas, “View of the Fording of the River Mondego by the Allied Army on the 21th september 1810”, que representa a passagem das tropas anglo-lusas no vale do Mondego, junto à Barca do Concelho (Penacova), no dia 21 setembro 1810, imagem em que se encontra representado no Monte da Senhora da Guia, um edifício em ruínas, que, segundo o Royal Collection Trust, é identificado como um castelo em ruínas, contudo a imagem não é totalmente explícita para assumir esta informação como certa já que, para esta época, não se encontra já documentação que comprove a existência física das ruínas do Castelo.